É comum que, nos períodos de estiagem de cada ano, propriedades rurais fiquem sujeitas a incêndios, destruindo lavouras, benfeitorias, áreas de reserva legal, de preservação permanente, causando inúmeros prejuízos.
E, quando esses incêndios ocorrem, sempre fica a dúvida para o proprietário ou produtor rural que explora referida propriedade: é possível cobrar o ressarcimento de todos os prejuízos sofridos? A resposta certamente é positiva; entretanto, diversas questões devem ser observadas para que tal ressarcimento seja cobrado da maneira correta e contra os reais responsáveis.
Em primeiro lugar, é necessário verificar a origem do incêndio, a fim de que fique demonstrado se o fogo teve início ou nas estradas e rodovias que costumam margear as propriedades rurais; ou em propriedades vizinhas, qualquer que seja a sua causa.
Caso se comprove que o fogo teve início em rodovias e estradas lindeiras à propriedade, é possível a cobrança dos responsáveis pela manutenção e preservação de tais locais, inclusive das respectivas concessionárias, sob o regime de concessão, ou entes públicos que devem zelar pela prevenção e combate de incêndios. Do mesmo modo, caso se comprove que o fogo teve origem em propriedade vizinha, é possível a responsabilização do respectivo proprietário vizinho.
E isto porque, em ambos os cenários, há a chamada responsabilidade objetiva, seja aquela (i) prevista pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal (que aduz que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), aplicável também às concessionárias; seja aquela (ii) do Código Civil, conforme estabelece o artigo 1.277 do Código Civil, aplicável no âmbito do direito de vizinhança.
Sobre o tema, ensina a jurisprudência:
“APELAÇÃO CÍVEL Ação de indenização por danos materiais e morais. Responsabilidade civil. Concessionária de rodovia. […]. Aquele que é investido de competências estatais tem o dever objetivo de adotar as providências necessárias e adequadas a evitar danos às pessoas e ao patrimônio. Quando o Estado (ou seus delegatários) infringir esse dever objetivo e, exercitando suas competências, der oportunidade à ocorrência do dano, estarão presentes os elementos necessários à formulação de um juízo de reprovabilidade quanto à sua conduta. Não é necessário investigar a existência de uma vontade psíquica no sentido da ação ou omissão causadoras do dano. […]. Inexistência de excludente de responsabilidade”.1
“REPARAÇÃO DE DANOS – INCÊNDIO EM CANAVIAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO DIREITO DE VIZINHANÇA – ARRENDATÁRIO DO IMÓVEL ONDE SE INICIOU O INCÊNDIO – FOGO QUE SE ALASTROU PELAS PROPRIEDADES VIZINHAS E CAUSOU DANOS 1 – Atividade desenvolvida pelo apelado na propriedade lindeira à do apelante – cultivo de cana-de-açúcar – envolve risco, notadamente de incêndio, tendo em vista a prática das denominadas “queimadas”, sendo cediço que a cultura em questão é altamente suscetível à combustão. Responsabilidade objetiva no direito de vizinhança, respondendo o arrendatário responsável pela plantação pelo prejuízo causado pelo incêndio que se iniciou em seu canavial e atingiu propriedades vizinhas; 2 – Laudo pericial da polícia científica que apurou que o incêndio teve início na plantação de cana, pouco importando se o autor da queimada foi o réu, arrendatário, ou funcionários daquele que adquiririam a cana depois de colhida. Imposição, inclusive, de multa ambiental pelo órgão competente, que se utilizou igualmente da responsabilidade objetiva para responsabilização. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DO RÉU PREJUDICADO”.2
Conforme demonstrado acima, apesar de existir a responsabilidade dos entes públicos exploradores, das concessionárias e/ou dos vizinhos, são inúmeras as questões, especialmente relacionadas às provas que devem ser produzidas e acompanhar eventual ação, que necessitam ser observadas pelo proprietário ou produtor rural que tenha sofrido prejuízos para que a ação judicial de reparação de danos tenha sucesso.
Tudo isso revela, portanto, que, para a cobrança dos prejuízos causados por incêndios, é fundamental que se busque apoio jurídico adequado, que seja capaz de identificar os elementos envolvidos no caso, as provas cuja produção é necessária, entre outros subsídios, para que a busca por qualquer ressarcimento seja feita de forma correta e em face dos reais responsáveis, evitando-se, inclusive, maiores prejuízos causados por eventual ônus sucumbencial.
Autores:
Luís Henrique Vicente | MBM Advogados – luis.vicente@mbma.com.br
João Menezes Faria | MBM Advogados – joao@mbma.com.br
- (TJSP, Apelação Cível nº 0043831-67.2011.8.26.0114, Relator Desembargador Oswaldo Luiz Palu, 9ª Câmara de Direito Público, julgado em 12/12/2012). No mesmo sentido: “A existência de queimada às margens da rodovia não pode ser considerada hipótese de caso fortuito ou força maior, apta a eximi-la de qualquer responsabilidade pelos danos causados aos usuários do serviço público. Pelo contrário, trata-se de situação que se insere no risco da atividade econômica desenvolvida, e enseja a responsabilidade objetiva da concessionária, resguardado o direito de regresso contra os causadores da queimada, caso eles venham a ser devidamente identificados”. (TJSP, Apelação Cível nº 1000231-36.2015.8.26.0082, Relator Desembargador Kenarik Boujikian, 34ª Câmara de Direito Privado, julgado em 08/06/2017). ↩︎
- TJSP; Apelação Cível 0012669-47.2014.8.26.0438; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Penápolis – 1ª Vara; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 17/08/2016. ↩︎