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Boa Leitura!

Os efeitos da aprovação do plano de recuperação judicial nas execuções já direcionadas contra os sócios em razão de anterior deferimento da desconsideração da personalidade jurídica

Atualmente, um assunto que tem gerado um grande debate na área jurídica diz respeito aos efeitos da recuperação judicial na esfera jurídica e patrimonial dos sócios da empresa recuperanda.

Uma dessas controvérsias pairava exatamente sobre a eventual necessidade de, após a aprovação do plano de recuperação judicial (“PRJ”) da empresa devedora, suspender-se as execuções já direcionadas contra os sócios em razão de desconsideração da personalidade jurídica anteriormente deferida.

Essa dúvida surgiu por conta, principalmente, do disposto no artigo 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência (n.º 11.101/2005), o qual estabelece, em síntese, que a “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei”.

Referida problemática foi levada para julgamento ao Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no recurso especial n.º 2072272/DF, julgado em 12/09/2023.

No caso (que envolvida demanda consumerista e, assim, foi analisado com base no Código de Defesa do Consumidor – “CDC”), os sócios de determinada empresa estavam sendo executados em um cumprimento de sentença por dívida pertencente à sociedade, após o magistrado responsável pelo caso ter autorizado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora.

Na ocasião, o magistrado entendeu que a sociedade devedora estava sendo um obstáculo para o ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor (no caso, ao autor da ação), ou seja, estava dificultando que o consumidor recebesse os valores que lhe eram devidos – o que justificaria, nos termos do artigo 28, parágrafo 5º, CDC, a inclusão dos sócios em tal execução.

Assim, deferida a desconsideração da personalidade jurídica, os sócios passaram a participar do polo passivo do cumprimento de sentença e a responder pela dívida, tendo, inclusive, sofrido penhoras em suas contas bancárias.

Ocorre que, paralelamente ao cumprimento de sentença, e quando tais sócios já estavam sendo lá executados, foi aprovado o PRJ das empresas devedoras. Tal fato fez com que os sócios peticionassem no cumprimento de sentença requerendo a extinção da execução, sob o argumento de que a aprovação do PRJ implicaria na novação daqueles créditos. Frise-se que a novação, sob a ótica do Direito Civil, nada mais é do que a extinção de uma obrigação pela formação de uma nova, que vem, justamente, para substituir a primeira.

Em primeiro grau, todavia, o pedido dos sócios foi rejeitado, o que motivou a interposição de agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, por sua vez, manteve a decisão do magistrado de primeira instância.

Assim, o caso chegou ao STJ, que entendeu que a novação derivada da aprovação do plano de recuperação judicial afeta apenas as obrigações da recuperanda (devedora principal), não atingindo as garantias prestadas por terceiros (sócios) e, especialmente, situações já sacramentadas anteriormente, como a inclusão dos sócios em execução em razão de desconsideração da personalidade jurídica já deferida.

Em seu voto, a Turma pontuou que não haveria qualquer lógica no sistema jurídico se o prosseguimento da execução contra os sócios, já determinado por força da desconsideração da personalidade jurídica, trouxesse efeitos apenas até a aprovação do plano, pois desvirtuaria o próprio instituto. Isto porque, em um primeiro momento, os credores poderiam perseguir o crédito perante os sócios e, após, com a novação oriunda da RJ, não poderiam continuar com a execução, pois o crédito teria sido substituído por outra obrigação – ou seja, na prática, seria como se fosse revogada a desconsideração da personalidade jurídica anteriormente deferida.

Por este motivo, a Turma concluiu que, se os credores, nas execuções interpostas contra a empresa, requererem a desconsideração de sua personalidade jurídica para incluir os sócios no polo passivo e esta for deferida antes da aprovação do plano de recuperação judicial, é perfeitamente possível que a execução prossiga em face dos sócios, em respeito aos próprios efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, que tornou os sócios responsáveis pelo débito. Assim, nesta hipótese, os efeitos da novação prevista na Lei n.º 11.101/2005 não podem incidir em favor dos sócios já demandados por tais créditos.

Em resumo, para o C. STJ, a novação prevista em lei não se estende para além das empresas em recuperação, quando, antes da aprovação do plano, já tiver ocorrido a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e, portanto, os sócios já estarem respondendo pelo crédito executado. Os principais fundamentos utilizados pela Turma foram a Súmula n.º 581 do STJ[1] e o Tema n.º 885 de Recursos Repetitivos[2].

A Corte, inclusive, compara essa situação com o que ocorre com os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, que são aqueles que se obrigaram ao débito por meio de garantia cambial, real ou fidejussória (como, por exemplo, o aval), ressaltando que, nessas situações, a execução também prossegue, não sendo, portanto, atingidas pela novação. Vale citar o seguinte trecho do acórdão do STJ:

“O redirecionamento da dívida, portanto, já havia ocorrido no momento em que o plano de recuperação judicial foi aprovado a justificar a manutenção do acórdão recorrido, no sentido de que a novação não modifica a responsabilidade dos sócios incluídos no polo passivo do cumprimento de sentença por força da desconsideração da personalidade jurídica das recuperandas”. 

A decisão do STJ revela o quão importante é, para qualquer sociedade, a análise prévia e estratégica para que se ingresse com um pedido de recuperação judicial, especialmente para que os sócios dessa empresa compreendam quais podem ser os reflexos de tal recuperação judicial para o seu próprio patrimônio pessoal – tendo em vista que a recuperação judicial não necessariamente significa, por si só, a impossibilidade de que credores busquem a satisfação de seus créditos a partir do patrimônio pessoal dos sócios da empresa recuperanda.

A equipe do MBM Advogados, especializada no tema, está à disposição para que sejam feitos quaisquer esclarecimentos sobre o artigo.

Autores:

João Gabriel Menezes Fariajoao@mbma.com.br
Marina Cavalli Ribeiro da Silvamarina.silva@mbma.com.br

[1] A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.

[2] A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005.




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