loader image

Boa Leitura!

Atualizações na Tributação de Fundos de Investimento: Lei nº 14.754/2023

Na última semana, foi publicada a Lei 14.754 de 12.12.2023 (“Lei 14.754/23”), trazendo em sua redação alterações importantes na tributação de fundos de investimento no Brasil, inclusive para prever a sistemática de tributação periódica (conhecido como come-cotas) para os fundos de investimento fechados. A lei entrou em vigor na data de sua publicação, 13.12.2023, e produzirá efeitos a partir de 1.1.2024, com pequenas exceções.

Para contextualizar, recentemente, as mudanças propostas pela Medida Provisória nº 1.184, de 28.8.2023 (“MP 1.184/23”) foram tema central de uma de nossas publicações, na qual abordamos a instituição do come-cotas para os fundos de investimento fechados e suas nuances, dispostas na normativa editada pelo Presidente da República.

O texto trazido pela Lei 14.754/23 é praticamente o mesmo daquela Medida Provisória, com algumas pequenas alterações em regras específicas. Por isso, é crucial se atentar sobre as novidades introduzidas pela Lei 14.754/23 e como ela complementa ou modifica as disposições da MP anterior.

Ainda, é importante mencionar que, assim como a MP 1.184/23, a Lei 14.754/23 também promoveu alterações significativas nas regras do imposto de renda das pessoas físicas (“IRPF”) sobre rendimentos auferidos no exterior. Contudo, neste informativo, trataremos especificamente sobre as novas regras para fundos de investimento no país.

REGRAS GERAIS APLICÁVEIS AOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS:

Antes de adentrar às alterações promovidas pela Lei 14.754/23 com relação à tributação nos fundos de investimentos brasileiros, é importante fazer uma pequena digressão. Isso porque, conforme regulamenta a Resolução CVM nº 175, de 23.12.2022 (“Resolução CVM 175/22”), os fundos de investimento podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado, podendo ser classificados em fundos de longo prazo ou de curto prazo.

Essas diferenças entre as modalidades de constituição e classificação dos fundos foram delimitadas e explicadas na nossa última publicação sobre o assunto. Recomendamos, mais uma vez, a leitura daquele texto clicando aqui.

Novo Regime Geral dos Fundos e os Fundos de Investimentos Fechados:

De acordo com a redação aprovada na Lei 14.754/23, os fundos de investimentos fechados passarão a se sujeitar à incidência do IRRF na sistemática conhecida como come-cotas, mesmo regime já aplicado aos fundos abertos.

A tributação ocorrerá no último dia útil dos meses de maio e novembro e as alíquotas previstas serão de 15% para os fundos de longo prazo e de 20% para os fundos de curto prazo. Há, ainda, um percentual complementar a incidir sobre os rendimentos no momento da realização (distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas), necessário para totalizar as alíquotas regressivas de 22,5% a 15%, a depender da composição da carteira do fundo. Nessas hipóteses, também será antecipada a incidência do come-cotas1.

Regime Específico dos Fundos Não Sujeitos à Tributação Periódica:

Uma importante alteração trazida pela Lei 14.754/23 em comparação à redação originariamente proposta na MP 1.184/23 foi a inclusão dos Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (“FIDC”) no rol dos fundos excepcionados do regime do Come-cotas2, de modo que os cotistas serão tributados apenas no momento da realização, mantendo a regra anterior. A Lei impõe, contudo, um requisito de composição de carteira mais exigente para os FIDC do que o atualmente previsto na regulamentação, exigindo que tais fundos tenham, ao menos, 67% de sua carteira composta por direitos creditórios, cujo conceito, para esse fim, será regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”)3. O CMN publicou em 21.12.2023 a Resolução CMN 5.111/23, a qual define os conceitos de entidade de investimento e de direitos creditórios.

Regime específico dos Fundos Sujeitos à Tributação Periódica com Subconta de Avaliação de Participações Societárias

Outro ponto de atenção, foi que o texto da Lei 14.754/23 inclui os Fundos de Investimento em Ações (“FIA”) no rol dos fundos com regime específico, ainda que não sejam enquadrados como “entidades de investimento”, desde que invistam, ao menos, 67% de sua carteira em ações e ativos elegíveis, admitidos à negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado no país ou no exterior4.

Nesse sentido, a Lei 14.754/23 também aprimora o rol de ativos elegíveis, incluindo nele as representações digitais (tokens) desses ativos e fundos de ações no exterior5.

Ainda com relação aos fundos que estarão – ou não – sujeitos ao regime come-cotas, a Lei 14.754/23 esclarece que FIP, ETF-Renda Fixa e FIDC não classificados como Entidades de Investimento (nos termos do artigo 23 da mesma Lei), estarão sujeitos à Tributação Periódica com Subconta de Avaliação de Participações Societárias. A exceção se aplica aos casos em que estes fundos forem titulares de cotas de outros FIPs, ETFs e FIDCs, quando poderão deixar de incluir na base de cálculo do come-cotas a variação reflexa decorrente dos ajustes no valor da participação societária no fundo investido, desde que observado o controle em subconta reflexa.

Quanto aos Fundos de Fundos, a Lei 14.754/23 estende a isenção do come-cotas para aqueles que investirem 95% do patrimônio líquido em FIP, ETF-RV, FIDC (estes três desde que classificados como entidade de investimento), FIA, FII, FIAGRO, FIP-IE, FIP-PD&I e fundos de debêntures incentivadas (FI-Infra), não se limitando apenas a FIP, ETF-RV e FIA como regrado na MP 1.184/23.

Fundos de investimento não submetidos à Lei 14.754/23:

Os seguintes fundos de investimento não estão submetidos à nova lei e também não se sujeitarão ao come-cotas: Fundo de Investimento em Participações (FIP), Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”); Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (“Fiagro”); investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos; investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (“FIEE”); Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (“FIP-IE”) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (“FIP-PD&I”); fundos de investimento de que trata a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011; fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior; e ETFs de Renda Fixa.

Tributação do estoque dos rendimentos acumulados em 2023:

Por fim, um dos pontos mais sensíveis trazido pela MP 1.184/23 foi mantido na nova lei. A tributação dos rendimentos acumulados (estoque até 31.12.2023) nas cotas dos fundos fechados permanece, com alíquota de 15%. Contudo, nos casos em que o contribuinte optar por antecipar o pagamento do Come-cotas, a Lei 14.754/23 reduziu a alíquota de 10% para 8%, além de alterar a data de corte para o dia 30.11.2023 para os rendimentos sujeitos ao primeiro recolhimento com opção de parcelamento.

Em linhas gerais, cabe um comparativo sobre a mudança das regras da tributação do estoque de rendimentos apurados até 31.12.2023:

Lei 14.754/23: IRRF sobre os rendimentos apurados até 31.12.2023
IRRFForma de pagamentoPrazoObservações
15%À vistaAté 31.5.2024– Artigo 27, § 5º, Lei 14.754/23
15%24x mensais e sucessivas1ª parcela em 31.5.2024– Artigo 27, §§ 6º e 7º, Lei 14.754/23; – Parcelas acrescidas da taxa SELIC acumulada mensalmente; – Parcela não pode ser inferior a 1/24 do IR apurado.
8%1ª etapa: IRRF devido até 30.11.2023;   –2º etapa: IRRF devido entre 1º.12.2023 e 31.12.20231ª etapa: 4x iguais, mensais e sucessivas, com vencimento em 29.12.2023, 31.1.2024 e 29.2.2024 e 29.3.2024;   –2ª etapa: à vista, em 31.5.2024.– Artigo 28 da Lei 14.754/23


A responsabilidade pela retenção do IRRF sobre os rendimentos acumulados até 31.12.2023 será do administrador do fundo de investimentos, que poderá, ainda, dispensar o aporte de novos recursos no fundo caso o cotista não lhe disponibilize os recursos necessários para o recolhimento do imposto.

Nesse sentido, a Lei 14.754/23 ainda promove mecanismo de “proteção” ao administrador do fundo, afastando sua responsabilidade pelo recolhimento do Imposto de Renda sobre os rendimentos acumulados nos casos de falta de provimento de recursos pelo cotista para retenção do referido imposto. Para ativar esse mecanismo, o administrador do fundo deverá encaminhar à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil ofício informando (i) número de inscrição no CPF ou CNPJ do cotista; (ii) valor dos rendimentos que serviram de base de cálculo do imposto; e (iii) valor do imposto devido. Nessa hipótese, a responsabilidade pelo recolhimento do Imposto de Renda passará a ser do próprio cotista, que ficará sujeito ao lançamento de ofício.

Ainda sobre a tributação do estoque dos rendimentos acumulados nas cotas dos fundos fechados até 31.12.2023, vale mencionar a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 2.166, de 15.12.2023 (“IN 2.166/2023”) que, dentre outras disposições, estabelece diretrizes para o preenchimento das obrigações acessórias referentes ao pagamento do imposto correspondente. Essas obrigações incluem a declaração do imposto por meio do Programa Gerador de Declaração da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (“DCTF”) e a utilização de códigos específicos de receita.

A previsão disposta nos artigos 27 e 28 da Lei 14.754/23 permanece sendo o maior alvo de críticas da nova legislação e deve enfrentar judicialização, sobretudo, por conta de potencial violação ao princípio da irretroatividade, instituído pelo artigo 150, inciso III, alínea ‘a’ da Constituição Federal6.

Como já mencionado no último informativo, que tratou da MP 1.184/23, situação semelhante já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) na declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01 no julgamento da Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588 do Distrito Federal, que tratou da tributação dos lucros apurados por entidade controlada ou coligada no exterior em períodos anteriores à vigência da lei.

Aplicação do Regime aos Não Residentes:

Uma última alteração com relação à nova sistemática de tributação, foi o esclarecimento trazido pela Lei 14.754/23 de que o regime atualmente aplicável será mantido aos investidores Não-Residentes (“INR”), exceto aqueles residentes ou domiciliados em jurisdição de tributação favorecida7.

Se, por um lado, a MP 1.184/23 não era cristalina em sua redação com relação à sujeição ou não come-cotas aos INR, a Lei 14.754/23 tratou do assunto com muito mais clareza, dedicando o §2º do Art. 34 exclusivamente à menção de que a tributação periódica (come-cotas) não será aplicável aos investidores residentes ou domiciliados no exterior.

FII e FIAGRO – novas regras de isenção:

Outro ponto relevante que interessa aos investidores foi a alteração nas regras de isenção do Imposto de Renda, previstas no artigo 3º da Lei 11.033, de 21.12.2004 (“Lei 11.033/2004”).

O texto da Lei 14.754/23 promove importantes mudanças no número mínimo de cotistas no requisito de dispersão para aplicação da isenção em relação aos FII e FIAGRO. Além disso, a lei incluiu novo requisito limitando para aplicação do benefício, excluindo o campo de isenção do IRRF o conjunto de cotistas que representem mais de 30% do total de rendimentos auferidos pelo fundo. Em resumo, os requisitos para a isenção de IRRF sobre a distribuição de rendimentos ficaram da seguinte maneira:

Número mínimo de cotistas
Regra atualFIIs e Fiagros que possuam no mínimo 50 cotistas.
Lei 14.754/23FIIs e Fiagros que possuam no mínimo 100 cotistas.
Limitação da participação
Regra atualInaplicável ao cotista pessoa física titular de cotas que representem 10% ou mais da totalidade das cotas do fundo ou de seus rendimentos.
Lei 14.754/23Inaplicável ao cotista pessoa física titular de cotas que representem 10% ou mais da totalidade das cotas do fundo ou de seus rendimentos e ao conjunto de cotistas pessoas físicas ligadas titulares de cotas que representem 30% ou mais da totalidade das cotas do fundo ou de seus rendimentos.

Fusão, Cisão, incorporação e transformação de fundos:

As reorganizações dos fundos (fusão, cisão, incorporação e transformação) também foram abordadas na Lei 14.754/23. A partir de 1º.1.2024, os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota na data do evento e o custo de aquisição da cota ficarão sujeitos à retenção na fonte do IRRF à alíquota aplicável aos cotistas do fundo naquela data.

Essas alterações já estavam previstas na MP 1.184/23 e tiveram seu conteúdo mantido pela nova lei.

Contudo, uma importante distorção foi corrigida pelo texto da Lei 14.754/23, eliminando a tributação pelo IRRF no caso de reorganizações que envolvam fundos sujeitos ao mesmo regime de tributação desde que não haja alteração da titularidade das cotas e não se tenha a disponibilização dos ativos dos fundos aos cotistas.

Além disso, a lei afasta a incidência do IRRF nas reorganizações ocorridas até 31.12.2023, desde que a alíquota aplicável ao fundo resultante da reorganização seja igual ou maior a que os cotistas estavam sujeitos antes da reorganização e o fundo não esteja sujeito ao Come-Cotas em maio e novembro de 2023.

O time tributário do MBM Advogados se coloca à disposição para os esclarecimentos que se façam necessários sobre a matéria.

Autores:

Flávio Basile – flavio@mbma.com.br
João Emmanuel Mattos Vidotti – joao.vidotti@mbma.com.br


  1. Art. 17. Os rendimentos das aplicações em fundos de investimento ficarão sujeitos à retenção na fonte do IRRF nas seguintes datas:
    I – no último dia útil dos meses de maio e novembro; ou
    II – na data da distribuição de rendimentos, da amortização ou do resgate de cotas, caso ocorra antes.
    § 1º A alíquota do IRRF será a seguinte:
    I – como regra geral:
    a) 15% (quinze por cento), na data da tributação periódica de que trata o inciso I do caput deste artigo; e
    b) o percentual complementar necessário para totalizar a alíquota prevista nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 1º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, na data da distribuição de rendimentos, da amortização ou do resgate de cotas de que trata o inciso II do caput deste artigo; ou
    II – nos fundos de que trata o art. 6º da Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004:
    a) 20% (vinte por cento), na data da tributação periódica de que trata o inciso I do caput deste artigo; e
    b) o percentual complementar necessário para totalizar a alíquota prevista nos incisos I e II do § 2º do art. 6º da Lei nº 11.053, de 29 de dezembro de 2004, na data da distribuição de rendimentos, da amortização ou do resgate de cotas de que trata o inciso II do caput deste artigo. ↩︎
  2. Art. 18. Quando forem enquadrados como entidades de investimento e cumprirem os demais requisitos previstos nesta Seção, ficarão sujeitos ao regime de tributação de que trata esta Seção os seguintes fundos de investimento:
    […]
    III – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). ↩︎
  3. Artigo 19. Para fins do disposto nesta Lei, serão considerados como FIDCs os fundos que possuírem carteira composta de, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) de direitos creditórios. ↩︎
  4. Artigo 18 […]
    Parágrafo único. Ficarão também sujeitos ao regime de tributação de que trata esta Seção, ainda que não sejam enquadrados como entidades de investimento, os Fundos de Investimento em Ações (FIAs) que cumpram os demais requisitos previstos nesta Seção.
    c/c
    Artigo 21. Para fins do disposto nesta Lei, serão considerados como FIAs os fundos que possuírem carteira composta de, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) dos seguintes ativos financeiros, quando forem admitidos à negociação no mercado à vista de bolsa de valores, no País ou no exterior, ou no mercado de balcão organizado no País: ↩︎
  5. Artigo 21. […]
    I – no País:
    a) as ações;
    […]
    e) as cotas de FIAs; (independente de serem consideradas entidades de investimento ou não).
    […]
    g) as representações digitais (tokens) dos ativos previstos nas alíneas “a” a “f” deste inciso;
    II – no exterior:
    a) as ações;
    […]
    e) as cotas dos FIAs no exterior, na forma permitida pela regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários;
    f) as representações digitais (tokens) dos ativos previstos nas alíneas “a” a “e” deste inciso. ↩︎
  6. Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
    […]
    III – cobrar tributos:
    a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; ↩︎
  7. Art. 34. Os rendimentos de aplicações em fundos de investimento no País apurados por investidores residentes ou domiciliados no exterior nos termos da regulamentação do Conselho Monetário Nacional ficarão sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15% (quinze por cento), na data da distribuição de rendimentos, da amortização ou do resgate de cotas.
    […] ↩︎

Compartilhe!

Últimas Publicações