Flávio Basile, José G. da Rocha Júnior e Raissa Silva
Os FIP-IE’s, embora não tão disseminados quantos outros fundos de investimento, são excelentes mecanismos para investimento privado no setor de infraestrutura no Brasil, tais como em energia, transporte, água e saneamento básico e irrigação. Setor este que está e deve se manter aquecido ao longo dos próximos anos devido à profunda carência do Brasil quanto a esses investimentos. Sobre as vantagens do fundo, tem-se que as regras favorecidas de tributação dos rendimentos e ganhos dos investidores pessoas físicas residentes e dos não residentes são um dos maiores atrativos à constituição dos FIP-IE’s, como se verá a seguir.
Os Fundos de Investimento em Participações (“FIPs”) são entidades de investimento coletivo que são constituídas sob a forma de condomínio fechado e que têm o intuito de reunir recursos destinados à aquisição de valores mobiliários, bens e direitos de qualquer natureza, tais como ações, bônus de subscrição, debêntures simples, dentre outros títulos, conforme prevê o artigo 1.368-C1 do Código Civil (“CC”) e o artigo 5º2 da Instrução nº 578 da Comissão de Valores Mobiliários, de 30.8.2016 (“Instrução CVM 578/16”).
Os FIPs são regulamentados pela Instrução CVM 578/163, que dispõe sobre as regras gerais de sua constituição, funcionamento e administração, e têm como objetivo principal ser um veículo de investimento de renda variável que adquire valores mobiliários, bens e direitos de qualquer natureza de companhias, sejam elas de capital aberto ou fechado, e de títulos ou valores mobiliários que representem participação em sociedades limitadas, sendo que os FIPs devem participar diretamente da sua administração, por meio de uma gestão especializada que busque maximizar o valor de mercado da sociedade investida a fim de obter retornos financeiros compatíveis ao grau de risco do negócio.
De acordo com a Instrução CVM 578/164, os FIPs podem ser classificados de acordo com a composição de suas carteiras em: (i) Capital Semente, (ii) Empresas Emergentes, (iii) Infraestrutura (“IE”), (iv) Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (“FIP-PD&I”) e (v) Multiestratégia.
Nesse contexto, destacamos o Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (“FIP-IE”) que foi instituído pela Lei nº 11.478, de 29.5.2007 (“Lei 11.478/07”), e que tem por objetivo principal viabilizar o investimento da iniciativa privada, no Brasil, em novos projetos de infraestrutura nas áreas de: (i) energia; (ii) transporte; (iii) água e saneamento básico; (iv) irrigação; e (v) em outras áreas tidas como prioritárias pelo Poder Executivo Federal, conforme prevê o artigo 1º, § 1º, incisos I, II, III, IV e V5, da Lei 11.478/07, e o artigo 17, incisos I, II, III, IV e V, da Instrução CVM 578/16.
Desta forma, o FIP-IE é um instituto jurídico utilizado por investidores que, mediante a aquisição de valores mobiliários ou de títulos emitidos por sociedades anônimas de capital aberto ou fechado, é constituído sob a forma de condomínio fechado e visa obter lucro a partir da constituição de uma Sociedade de Propósito Específico (“SPE”) que deve atuar em obras de infraestrutura no Brasil.
O FIP-IE também poderá investir em projetos já existentes, implantados ou em processo de implantação, desde que os investimentos e os resultados da expansão sejam segregados mediante a constituição de SPE (que deve ser sociedade anônima de capital aberto ou fechado).
Destacamos que o FIP-IE deve observar alguns requisitos previstos na Lei 11.478/07 e na Instrução CVM 578/16 para que seja constituído, quais sejam:
- Constituição sob a forma de condomínio fechado (as cotas são resgatáveis apenas ao término do prazo de duração do fundo de investimento);
- 90% do patrimônio do FIP-IE deverá ser aplicado em ações, bônus de subscrição, debêntures, conversíveis ou não em ações, ou outros títulos de emissão de SPE constituída sob a forma de sociedade por ações de capital aberto ou fechado para implementação de novos projetos de infraestrutura, desde que permitidos pela regulamentação da CVM para fundos de investimento em participações6,;
- O Fundo deve participar do processo decisório das sociedades investidas com efetiva influência na definição de suas políticas estratégicas e na sua gestão, notadamente por meio da indicação de membros do Conselho de Administração ou, ainda, pela detenção de ações que integrem o respectivo bloco de controle, pela celebração de acordo de acionistas ou pela celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao fundo efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão7;
- Iniciar suas atividades em até 180 dias após o seu registro de funcionamento na CVM8;
- Ter o mínimo de 5 cotistas, sendo que cada cotista não poderá deter mais de 40% das cotas emitidas pelo FIP-IE ou auferir rendimento superior a 40% do rendimento total auferido pelo fundo9.
Uma característica importante e de grande atratividade no mercado de capitais no que diz respeito ao FIP-IE é a sua forma de tributação para o investidor pessoa física residente no Brasil e para o investidor não residente, que é mais benéfica e está relacionada com a própria razão de existir desse tipo de fundo, que é a atração de investimentos em infraestrutura no País. As tabelas apresentadas a seguir resumem a tributação do FIP-IE de acordo com cada tipo de cotista.
Para o cotista pessoa física residente no Brasil, a tributação é a seguinte:
FIP-IE: cotista pessoa física residente ou domiciliado no Brasil | ||
Resgate (rendimentos) | Isentos de IRRF | Art. 2º, § 3º, Lei 11.478/07 |
Amortização (rendimentos) | Isentos de IRRF | Art. 2º, § 3º, Lei 11.478/07 |
Alienação (ganho de capital) | Alíquota 0% de IR, em operações dentro e fora da bolsa | Art. 2º, § 1º, inciso I, Lei 11.478/07 |
Para os cotistas pessoas jurídicas residentes no Brasil, a tributação é a seguinte:
FIP-IE: cotista pessoa jurídica residente ou domiciliado no Brasil | ||
Resgate (rendimentos) | IRRF: 15% | – Art. 2º, caput e § 2º, Lei 11.478/07; – O rendimento será incluído na apuração de IRPJ e CSLL, nos lucros real, presumido ou arbitrado, e o IR pago será considerado como antecipação do devido na declaração; – PIS e COFINS-receitas financeiras. 4,65% para PJ’s do regime não-cumulativo (lucro real). |
Amortização (rendimentos) | IRRF: 15% | |
Alienação (ganho de capital) | IRRF sobre ganho líquido10: 15% | – Art. 2º, § 1º, inciso II, Lei 11.478/07; – Operações dentro e fora da bolsa; – Os ganhos líquidos serão incluídos na apuração de IRPJ e CSLL, nos lucros real, presumido ou arbitrado, e o IR pago será considerado como antecipação do devido na declaração; – PIS e COFINS-receitas financeiras. 4,65% para PJ’s do regime não-cumulativo (lucro real) |
Quanto aos investidores não-residentes no Brasil, a tributação é a seguinte:
FIP-IE: cotista investidor não-residente | ||
Resgate (rendimentos) | IRRF: 15%* ou IRRF: 0%** | *Art. 89, inciso II, IN RFB 1.585/15: regra para os investidores 4.373. ** É defensável a aplicação ao FIP-IE da alíquota 0 de IRRF prevista para os FIP’s no artigo 3º da Lei 11.312/06. |
Amortização (rendimentos) | IRRF: 15%* ou IRRF: 0%** | |
Alienação (ganho de capital) | IRRF: 0% | – Art. 2º, § 1º, inciso IV, Lei 11.478/07; – Não se aplica a residente ou domiciliado em país com tributação favorecida |
Por fim, as operações de resgate, amortização e alienação de cotas do FIP-IE se submetem às regras de tributação do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas à Títulos ou Valores Mobiliários (“IOF”), na modalidade de títulos ou valores mobiliários (“IOF-Títulos”) para os investidores residentes no Brasil, e na modalidade câmbio (“IOF-Câmbio”) para os investidores não residentes que invistam em FIP-IE.
Nesse sentido, os artigos 25 e 28, inciso III, e 32 do Decreto nº 6.306, de 14.12.2007 (Regulamento do IOF – “RIOF”), preveem a incidência de IOF-Títulos sob a alíquota de 1% ao dia sobre o valor do resgate, cessão ou repactuação, limitado ao rendimento da operação de acordo com os prazos previstos no Anexo do RIOF11. Nas operações em que o investimento é mantido por um prazo maior que 30 dias contados de sua aplicação nos recursos do fundo, não haverá a incidência do IOF-Títulos.
Ainda, o IOF-Câmbio incidirá na sob a alíquota reduzida a 0% na liquidação das operações de câmbio do investidor estrangeiro para ingresso de recursos para investimento no FIP-IE ou para retorno para o exterior dos rendimentos e ganhos auferidos a partir do FIP-IE, nos termos do artigo 15-B, incisos XVI e XVII.
O time tributário do MBM Advogados se coloca à disposição para tratar do tema.
Notas de Rodapé:
1 “Art. 1.368-C. O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Não se aplicam ao fundo de investimento as disposições constantes dos arts. 1.314 ao 1.358-A deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Competirá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º O registro dos regulamentos dos fundos de investimentos na Comissão de Valores Mobiliários é condição suficiente para garantir a sua publicidade e a oponibilidade de efeitos em relação a terceiros.”
2 “Art. 5º O FIP, constituído sob a forma de condomínio fechado, é uma comunhão de recursos destinada à aquisição de ações, bônus de subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, bem como títulos e valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas, que deve participar do processo decisório da sociedade investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão.”
3 Foi editada a Resolução CVM nº 175, de 23.12.2022 (“Resolução CVM 175/22”), considerada o novo marco regulatório dos fundos, a qual entra em vigor em 2.10.2023 e revoga, dentre outras, a Instrução CVM 578/16. A Resolução CVM 175/22 manteve a maior parte das disposições específicas ao FIP-IE previstas pela regulamentação anterior. A Resolução trouxe algumas inovações aplicáveis aos FIP’s em geral, tais como investimento em mútuo conversível em participação, notas comerciais e alteração do rol privativo da assembleia de cotistas.
4 “Art. 14. Os FIP devem ser classificados nas seguintes categorias quanto à composição de suas carteiras:
I – Capital Semente;
II – Empresas Emergentes;
III – Infraestrutura (FIP-IE);
IV – Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I); e
V – Multiestratégia.
Parágrafo único. Os fundos destinados à aplicação em empresas cuja atividade principal seja a inovação, nos termos do disposto na Lei nº 10.973, de 2004, devem conter, em sua denominação, a expressão “Inovação”.”
5 “Art. 1o As instituições autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para o exercício da administração de carteira de títulos de valores mobiliários poderão constituir Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e Fundo de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I), sob a forma de condomínio fechado, que terão, respectivamente, por objetivo o investimento no território nacional em novos projetos de infraestrutura e de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
§ 1o Para os efeitos desta Lei, consideram-se novos os projetos de infra-estrutura implementados a partir da vigência desta Lei por sociedades especificamente criadas para tal fim, em:
I – energia;
II – transporte;
III – água e saneamento básico; e
IV – irrigação.
V – outras áreas tidas como prioritárias pelo Poder Executivo Federal.”
6 “Art. 1o (…)
§ 4o No mínimo 90% (noventa por cento) do patrimônio do FIP-IE e do FIP-PD&I deverão ser aplicados em ações, bônus de subscrição, debêntures, conversíveis ou não em ações, ou outros títulos de emissão das sociedades de que trata o § 3o, desde que permitidos pela regulamentação da CVM para fundos de investimento em participações.” (Lei 11.478/07)
7 “Art. 1º (…)
§ 8o O FIP-IE e o FIP-PD&I deverão participar do processo decisório das sociedades investidas com efetiva influência na definição de suas políticas estratégicas e na sua gestão, notadamente por meio da indicação de membros do Conselho de Administração ou, ainda, pela detenção de ações que integrem o respectivo bloco de controle, pela celebração de acordo de acionistas ou pela celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao fundo efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão.” (Lei 11.478/07)
8 “Art. 1º (…)
§ 10. O FIP-IE e o FIP-PD&I terão o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após obtido o registro de funcionamento na CVM para iniciar suas atividades e para se enquadrarem no nível mínimo de investimento estabelecido no § 4o.” (Lei 11.478/07)
9 “Art. 1º (…)
§ 6o O FIP-IE e o FIP-PD&I deverão ter um mínimo de 5 (cinco) cotistas, sendo que cada cotista não poderá deter mais de 40% (quarenta por cento) das cotas emitidas pelo FIP-IE ou pelo FIP-PD&I ou auferir rendimento superior a 40% (quarenta por cento) do total de rendimentos dos fundos.” (Lei 11.478/07)
10 De acordo com o artigo 56, § 3º, da IN RFB 1.585/15, Considera-se ganho líquido o resultado positivo auferido nas operações de que tratam os arts. 58 a 62 realizadas em cada mês, admitida a dedução dos custos e despesas incorridos, necessários à realização das operações.
11 “Art. 25. O fato gerador do IOF é a aquisição, cessão, resgate, repactuação ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários. (…)
Art. 28. A base de cálculo do IOF é o valor: (…)
III – de aquisição ou resgate de cotas de fundos de investimento e de clubes de investimento;
Art. 32. O IOF será cobrado à alíquota de um por cento ao dia sobre o valor do resgate, cessão ou repactuação, limitado ao rendimento da operação, em função do prazo, conforme tabela constante do Anexo.”