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Boa Leitura!

A MP 1.184/23 e o come-cotas para os fundos de investimento fechados

Como amplamente noticiado, foi publicada, em 28.8.2023, a Medida Provisória nº 1.184, de 28.8.2023 (“MP 1.184/23”), a qual traz relevantes alterações quanto à tributação dos fundos de investimento. Neste informativo, trataremos especificamente da previsão da incidência semestral do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) sobre os rendimentos auferidos pelos fundos de investimento fechados, o chamado “come-cotas”, pela MP 1.184/23.

Inicialmente, é importante contextualizar brevemente a norma geral de tributação dos rendimentos auferidos pelos cotistas em fundos de investimento (tais como os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios e os Fundos de Investimento Multimercado), aplicável anteriormente à MP 1.184/23. Destaca-se que existem regras específicas para outros tipos de fundos de investimento, tais como os fundos de investimento em participações e os fundos de investimento imobiliários, as quais não serão abordadas neste informativo1.

Conforme regulamenta a Instrução da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) nº 555, de 17.12.20142 (“Instrução CVM 555/14”)3, os fundos de investimento podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado, os quais possuem duas principais diferenças entre si.

A primeira diferença relevante entre os fundos abertos e fechados é que, nos fundos de investimento abertos, os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas a qualquer tempo (“fundos abertos ao resgate”), enquanto, nos fechados, as cotas somente poderão ser resgatadas ao término do prazo de duração do fundo ou em caso de liquidação do fundo (“fundos fechados ao resgate”).

A segunda diferença, que não mais existe por conta da MP 1.184/23, é que a tributação dos rendimentos originados das cotas de fundos de investimento abertos se dá em dois momentos: (i) com aretenção semestral, em maio e novembro de cada ano, do IR sobre os rendimentos auferidos no período, chamada de come-cotas4; e (ii) com a incidência da alíquota complementar IRRF por ocasião do resgate das cotas. Por sua vez, os rendimentos auferidos pelos fundos de investimento fechados, até as alterações promovidas pela MP 1.184/23, não estão sujeitos ao come-cotas5, sendo que seus rendimentos serão tributados por ocasião do resgate ou da amortização das cotas.

Além disso, destaca-se que os fundos de investimento podem ser classificados em fundos de longo prazo ou de curto prazo. Em linhas gerais, os fundos de longo prazo são aqueles cuja carteira de títulos tenha prazo médio superior a 365 dias, e os de curto prazo são aqueles cuja carteira de títulos tenha prazo médio inferior a 365 dias6. Ademais, as alíquotas do IRRF incidentes sobre os fundos de investimento também diferem de acordo com prazo médio de sua carteira.

Nesse sentido, as alíquotas do IRRF incidentes no resgate e amortização das cotas dos fundos de investimento abertos e fechados estão previstas nos artigos 6º e 8º da IN 1.585/157, e são regressivas a depender do prazo médio dos títulos da carteira de cada fundo: (i) entre 15% e 22,5% para os fundos de investimento de longo prazo8; e (ii) entre 20% e 22,5% para os fundos de investimento de curto prazo9.

Por sua vez, as alíquotas do IRRF incidentes semestralmente (come-cotas) sobre os rendimentos dos fundos de investimento abertos (depois da MP 1.184/23, também para os fechados) são replicadas pelo artigo 9º, § 1º, da IN 1.585/1510, de acordo com o prazo médio da carteira do fundo: (i) 15% para os fundos de investimento de longo prazo; e (ii) 20% para os fundos de investimento de curto prazo11.

Destaca-se, ainda, que incidirá a alíquota complementar do IRRF, que corresponde à diferença entres as alíquotas estipuladas para o come-cotas (15% ou 20%) e as alíquotas estipuladas para o resgate e amortização de cotas (entre 15% e 22,5%, a depender de aplicação) quando do resgate ou amortização das cotas do fundo.

A previsão de não incidência do come-cotas para os fundos fechados (dentre os quais estão os fundos exclusivos, detidos por um único cotista) representava um grande benefício tributário para o investidor. Isso porque, enquanto o investidor mantivesse os recursos financeiros dentro do fundo, os rendimentos do fundo não seriam tributados pelo IRRF, o que permitiria que aquele valor que seria submetido ao come-cotas fosse reinvestido.

Na prática, com a ausência do come-cotas, os rendimentos permanecem por indefinido período de tempo dentro do fundo fechado, o que difere indefinidamente sua tributação pelo IRRF. Esse incentivo foi utilizado por diversos investidores a título de planejamento patrimonial.

Foi justamente isso que levou à (não inédita) tentativa de instituição do come-cotas por parte do Presidente República com a edição da MP 1.184/23, com a justificativa de tributar “os super-ricos”. Segundo as informações do Ministério da Fazenda que constam na proposição da MP, “os dados de 30 de junho de 2023 da CVM indicam que os fundos multimercado e de renda fixa constituídos na forma de condomínios fechados, com até 20 (vinte) cotistas, têm um patrimônio total de R$ 530,7 bilhões, distribuído entre 16.194 cotistas pessoas físicas, o que equivale a um patrimônio médio, apenas nesses fundos, de quase R$ 32,8 milhões por cotista12.

Nesse sentido, a MP 1.184/23 prevê que os fundos de investimento em geral (fechados e abertos) estão sujeitos ao come-cotas à alíquota de 15% para os fundos de longo prazo e 20% para os fundos de curto prazo. As regras gerais são semelhantes às do regime anterior, expostas acima.

Importa mencionar que estão excetuados das disposições da MP 1.183/2313 os seguintes fundos: (i) Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”); (ii) Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (“Fiagro”); (iii) investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos; (iv) investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (“FIEE”); (v) Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (“FIP-IE”) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (“FIP-PD&I”); (vi) fundos de investimento de que trata a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011; (vii) fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior; e (viii) ETFs de Renda Fixa.

Ademais, os Fundos de Investimento em Participações (“FIP”), os Fundos de Investimento em Ações (“FIA”) e os Fundos de Investimento em Índice de Mercado (“ETF”) não se sujeitarão ao come-cotas, desde que observadas as regras previstas pelos artigos 3º a 9º da MP 1.184/23.

Dito isso, a regra mais polêmica da MP 1.184/23, no entanto, diz respeito à tributação dos “estoques” de rendimentos dos fundos de investimento fechados apurados até 31.12.2023 pelo IRRF à alíquota de 15% (ou de 10% a depender da forma de pagamento).

Sobre isso, o artigo 11 da MP 1.184/23, prevê que “os rendimentos apurados até 31 de dezembro de 2023 nas aplicações nos fundos de investimento que não estavam sujeitos, até o ano de 2023, à tributação periódica nos meses de maio e novembro de cada ano e que estarão sujeitos à tributação periódica a partir do ano de 2024, com base nos art. 2º ou art. 10, serão apropriados pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023 e ficarão sujeitos ao IRRF à alíquota de quinze por cento”. Os rendimentos corresponderão à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 31.12.2023, incluídos os rendimentos apropriados a cada cotista, e o custo de aquisição da cota.

Em linhas gerais, o artigo 11 da MP 1.184/23 prevê que o estoque de rendimentos apurados até 31.12.2023 poderão ser recolhidos das seguintes maneiras:

IRRF sobre os rendimentos apurados até 31.12.2023
IRRFForma de pagamentoPrazoObservações
15%À vistaAté 31.5.2024– Artigo 11, § 5º, MP 1.184/23
15%24x mensais e sucessivas1ª parcela em 31.5.2024– Artigo 11, §§ 6º e 7º, MP 1.184/23; – Parcelas acrescidas da taxa SELIC acumulada mensalmente; – Parcela não pode ser inferior a 1/24 do IR apurado.
10%1ª etapa: IRRF devido até 1.7.2023;
2º etapa: IRRF devido entre 1º.7.2023 e 31.12.2023
1ª etapa: 4x iguais, mensais e sucessivas, com vencimento em 29.12.2023, 31.1.2024 e 29.2.2024 e 29.3.2024;
2ª etapa: à vista, em 31.5.2024.
– Artigo 12 da MP 1.184/23

O artigo 11, § 9º, da MP 1.184/23 prevê que, caso o IRRF não seja pago no prazo estabelecido, o fundo não poderá efetuar distribuições ou repasses de recursos aos cotistas ou realizar novos investimentos até que haja a quitação integral do imposto, com eventuais acréscimos legais.

Além disso, o que dificulta muito o não cumprimento da regra, é a previsão de que o administrador do fundo de investimento ou a instituição que intermediar recursos por conta e ordem de seus clientes são responsáveis pelo recolhimento do IRRF incidente sobre os rendimentos do fundo. Ou seja, dificilmente os administradores ou intermediadores deixarão de aplicar a regra da MP 1.184/23, sob pena de se tornar responsável pelo pagamento do imposto, acrescido das penalidades legais.

O IRRF incidente sobre os rendimentos será considerado (i) como definitivo, no caso das pessoas físicas e da pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional; ou (ii) como antecipação do IRPJ devido no encerramento do período de apuração, no caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro real presumido ou arbitrado.

Destaca-se, ainda, que a tributação dos estoques de rendimentos dos fundos de investimentos, prevista nos artigos 11 e 12 da MP 1.184/23, deve enfrentar judicialização, sobretudo, por conta da potencial violação ao princípio da irretroatividade, instituído pelo artigo 150, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal14, já que a medida prevê a tributação de rendimentos auferidos anteriormente à vigência da norma.

Importante mencionar, inclusive, que situação semelhante já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) na declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01 no julgamento da Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588 do Distrito Federal, que tratou da tributação dos lucros apurados por entidade controlada ou coligada no exterior em períodos anteriores à vigência da lei.

Por fim, é relevante informar que a medida provisória é editada pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência e tem força de lei. Além disso, apesar de produzir efeitos imediatamente, a medida provisória precisa de aprovação do Congresso Nacional para se converter em lei ordinária. O prazo inicial de vigência da medida provisória é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Se houver a rejeição ou perda de eficácia da medida provisória, o Congresso Nacional deve editar Decreto Legislativo para disciplinar as relações jurídicas decorrentes de sua edição15.

O time tributário do MBM Advogados se coloca à disposição para os esclarecimentos que se façam necessários sobre a matéria.

Notas de Rodapé:

1 A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (“RFB”) nº 1.585, de 31.8.2015 (“IN RFB 1.585/15”), diferencia os fundos de investimento submetidos à regra geral em relação aos demais fundos de investimento. A saber:


Seção I Das Aplicações em Fundos de Investimento Regidos por Norma Geral

“Art. 2º Excluem-se da disciplina desta Seção os fundos abaixo relacionados, que são tributados na forma prevista na Seção II:

I – Fundos de Investimento em Ações;

II – Fundos de Investimento em Ações – Mercado de Acesso;

III – Fundos Mútuos de Privatização – FGTS, inclusive carteira livre;

IV – Fundos de Investimento em Índice de Mercado – Fundos de Índice de Ações;

V – Fundos de Índice de Renda Fixa;

VI – Fundos de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS);

VII – Fundos de Investimento em Participações (FIP), Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações (FIF FIP) e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE);

VIII – Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I);

IX – Fundos de Investimento com Carteira em Debêntures;

X – Fundos de Investimento Imobiliário.”

2 “Artigo 4º O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas conforme estabelecido em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo.”

3 Destaca-se que foi editada a Resolução CVM nº 175, de 23.12.2022 (“Resolução CVM 175/22”), considerada o novo marco regulatório dos fundos, a qual entra em vigor em 2.10.2023 e revoga, dentre outras, a Instrução CVM 555/14.

4 O come-cotas foi instituído pelo artigo 3º da Lei nº 10.892, de 13.7.2004 (“Lei 10.982/04”). O dispositivo foi revogado pela MP 1.184/23.

5 Tal disposição consta do artigo 9º, § 4º, da IN 1.585/15.

6 Tal disposição consta do artigo 3º, § 1º, da IN 1.585/15.

7 O artigo 6º da IN 1.585/15 está fundamentado no artigo 1º da Lei nº 11.033, de 21.12.2004 (“Lei 11.033/04”), e o artigo 8º da IN 1.585/15 está fundamentado no artigo 6º da Lei nº 11.053, de 29.12.2004 (“Lei 11.053/04”).

8 IN RFB 1.585/15:

Artigo 6º. Os fundos de investimento classificados como de longo prazo sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte, por ocasião do resgate, observado o disposto no art. 9º, às seguintes alíquotas:

I – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias;

II – 20% (vinte por cento), em aplicações com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias;

III – 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um) dias até 720 (setecentos e vinte) dias;

IV – 15% (quinze por cento), em aplicações com prazo acima de 720 (setecentos e vinte) dias.

Parágrafo único. O disposto nos §§ 9º a 11 do art. 46 aplica-se também, no que couber, aos rendimentos auferidos nos fundos de investimento de que trata este artigo.”

9 IN RFB 1.585/15:

Artigo 8º. Os fundos de investimento classificados como de curto prazo sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte, por ocasião do resgate, observado o disposto no art. 9º, às seguintes alíquotas:

I – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em aplicações com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias;

II – 20% (vinte por cento), em aplicações com prazo acima de 180 (cento e oitenta) dias.”

10 Como indicado no artigo 9º, § 1º, da IN 1.585/15, os fundos abertos estão sujeitos à incidência semestral do IRRF à alíquota de 15% ou 20% a depender do prazo médio de sua carteira. Quando do resgate das cotas do fundo incidirá a alíquota complementar do IRRF, que corresponde à diferença entres as alíquotas estipuladas nos incisos I e II do § 1º do artigo 9º da IN 1.585/15 e as alíquotas estipuladas nos incisos I a IV do caput do art. 6º (longo prazo) ou nos incisos I e II do art. 8º (curto prazo), ambos da IN 1.585/15.

11Artigo 9º. A incidência do imposto sobre a renda na fonte sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, nas aplicações em fundos de investimento, classificados como de curto ou de longo prazo, ocorrerá:

§ 1º A incidência do imposto a que se refere o caput será apurada de acordo com as seguintes alíquotas:

I – 20% (vinte por cento) no caso de fundos de investimento de curto prazo; e

II – 15% (quinze por cento) no caso de fundos de investimento de longo prazo.

§ 2º Por ocasião do resgate das cotas será aplicada alíquota complementar de acordo com o previsto nos incisos I a IV do caput do art. 6º ou nos incisos I e II do art. 8º.”

12 Disponível em:
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9441678&ts=1693267100438&disposition=inline.

13 Artigo 23 da MP 1.183/23.

14 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; (…)”

15 O sítio eletrônico do Congresso Nacional traz mais detalhes sobre a tramitação das medidas provisórias, no seguinte endereço:

https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/entenda-a-tramitacao-da-medida-provisoria.

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